Baseado nas memórias de Marcelo Rubens Paiva, “Ainda Estou Aqui” conta a história da vida de sua família com foco em sua mãe. A obra aborda de forma poética mas ao mesmo tempo crua e triste, os desafios que eles enfrentaram enquanto o Brasil passava pela ditadura militar.
Com uma direção magistral de Walter Salles (indicado ao Oscar por Central do Brasil e vencedor do Oscar por Diários de Motocicleta), o longa inicia com a família Paiva nadando e brincando nas praias do Rio de Janeiro. O Pão de Açúcar ao fundo, o sol brilhando e um caminhão militar passando pela Avenida Atlântica já prepara a audiência para a dicotomia de viver no paraíso dentro de um período infernal.
Rubens (Selton Mello), um ex-deputado, vive com sua esposa Eunice (Fernanda Torres) e seus filhos em uma casa elegante, típica de famílias abastadas que moravam próximo ao mar no Rio. Ele é um pai e marido, muito ligado à sua família que por trás das portas fechadas, está envolvido em um movimento clandestino de resistência. O período é tão incerto que Vera (Valentina Herszage), sua filha mais velha é enviada por seus pais para viver com amigos da família em Londres, tamanho medo de que ela se meta em problemas com as autoridades. No entanto, o problema encontra o caminho até suas vidas quando interrogadores militares aparecem, prendem Rubens e fazem vigilância na casa. Eventualmente, ela e sua filha Eliana (Luiza Kosovski) são presas, com capuzes sobre as cabeças, e levadas para os quartéis militares. Detidas secretamente.
Após a libertação de Eunice e sua filha fica o grande dilema: Onde está seu marido?
À medida que Eunice tenta reconstruir sua vida, cuidar de sua família e planejar o futuro em uma época onde a mulher sequer poderia ter uma conta bancária sem a autorização do marido, ela também está em uma missão para responsabilizar o governo pelo que fizeram a seu marido. Essa busca se torna uma transformação envolvente onde a mãe/esposa se torna ativista pelos direitos humanos. Nesse ponto o filme precisaria de um pouco mais de tempo para destacar o que ela conquistou durante e após o desaparecimento do marido, o que a tornou uma heroína nacional. O filme resume muito alguns pontos que historicamente deveriam ter mais espaço, visto que Eunice é a protagonista desta história. Se seu filho escreveu uma memória sobre a mãe, o público deveria ver tudo o que ela realizou em sua vida. Não uma versão fragmentada que depende muito do conhecimento prévio da história. A atriz indicada ao Oscar, Fernanda Montenegro (Central do Brasil), é igualmente cativante como a Eunice idosa, guerreira e cansada de lutar. Todas as cicatrizes e curas da personagem estão expressas em seu rosto
O elenco é muito convincente, parecendo genuinamente uma família e amigos envolvidos em um regime maligno que sequestra as pessoas e nunca as libera.
Fernanda Torres entrega com o olhar muita dor, pesar, tristeza, medo, saudade e amor pela família enquanto o mundo ao seu redor segue. Uma das maiores atuações da carreira dela.
A fotografia do filme é bela, com enquadramentos que nos permitem viver a felicidade da família e ao mesmo tempo a angústia do medo e perda. A trilha faz um complemento belo ornando os momentos mais marcantes do longa.
Enfim um grande filme brasileiro indicado ao Oscar, com atuações belas, uma história densa e triste, com um pouco de falta de zelo com o ritmo, mas mesmo assim mantendo a essência da obra original, mesmo que resumida.
NOTA: 8/10