Depois de sucesso com o Bala Desejo, a cantora e instrumentista carioca revela um trabalho que é, ao mesmo tempo, íntimo e expansivo, refletindo uma evolução artística e pessoal
Quando o ritmo da vida se torna uma dança constante, surge a necessidade de uma trilha sonora que capture essa transitoriedade. Pique, primeiro álbum solo da cantora, compositora, instrumentista e produtora carioca Dora Morelenbaum, é um mergulho profundo na dualidade entre o movimento e o refúgio. Nomeada em homenagem a uma das faixas, a obra não só explora diversas facetas musicais – de MPB, soul, R&B e jazz –, mas também se manifesta como uma afirmação da identidade artística da cantora. Pique reflete a jornada pessoal e artística de Dora, que, após a conquista de um GRAMMY Latino pelo álbum SIM SIM SIM (2022), com o Bala Desejo, e o hiato da aclamada banda, revela um novo capítulo de sua carreira solo, desta vez mais profundo e complexo. Lançado em parceria com os selos Coala Records e Mr Bongo, o disco já está nas plataformas digitais de streaming e estará disponível também em vinil (acesse aqui).
“São muitas camadas. É um álbum com várias facetas e eu me vejo muito em cada uma delas. Acho que por ser meu primeiro disco solo, existe essa emoção de querer colocar muitas vontades”, explica. Coproduzida por Dora com Ana Frango Elétrico, a obra se define em um alcance de ritmos e gêneros. “Pique é justamente o resultado dessa mistura. Tem na base um quarteto de jazz, com baixo, bateria, teclado e guitarra; e, dentro dessa formação, vai esgarçando um pouco diferentes texturas”, completa.
Embora o processo inicial do disco tenha se concentrado apenas nas sonoridades e arranjos, um tema acabou se revelando como ponto central: o amor. “Em algum momento durante a feitura do projeto, eu percebi que, de uma forma ou outra, todas as músicas falavam de amor. Às vezes por uma perspectiva mais clássica, outras por um viés um pouco mais provocativo. Há um tempo, sinto vontade de brincar com esses parâmetros da canção, que, no Brasil, especialmente, são muito estruturados e quase sagrados. Alguns já praticamente se esgotaram e outros se criaram ao redor”, afirma a cantora.
O trabalho chega às plataformas digitais após os lançamentos dos singles “Caco” e “Essa Confusão”, que pavimentaram o caminho para a nova fase de Dora. A capa de Pique, concebida sob a direção criativa de Maria Cau Levy, Dora Morelenbaum e Ana Frango Elétrico, captura a essência do álbum com uma imagem em movimento, refletindo a jornada contínua e a experiência sonora dinâmica que permeia toda a obra.
Dora abre o álbum com “Não Vou Te Esquecer”, uma balada apaixonada que apresenta um quarteto de jazz, formado por Sérgio Machado (bateria), Alberto Continentino (baixo), Luiz Otávio (teclados) e Guilherme Lirio (guitarra). Esta faixa é uma das primeiras parcerias entre Dora e Tom Veloso. “Venha Comigo”, composta por Sophia Chablau, traça caminhos menos convencionais para a obra. Os arranjos de sopros elaborados por Diogo Gomes, Marlon Sette e Jorge Continentino elevam a produção, criando uma atmosfera envolvente e inovadora.
Em “Sim, Não”, uma composição exclusivamente de Dora, o amor é explorado em suas nuances de negação e resignação. Com referências à estética dançante de Gilberto Gil e de Sly & The Family Stone, a faixa também brinca com a versatilidade vocal, tendo o cantor e compositor Negro Léo como referência. Josyara e Zé Ibarra colaboram nos violões. “Essa Confusão”, um dos singles do álbum, combina uma balada blues com um jazz “gosmento”, como Dora mesmo define, além de uma letra que explora a dualidade da paixão e o mistério. O arranjo de cordas foi criado em conjunto com Jaques Morelenbaum, violoncelista, maestro e pai da artista.
“A Melhor Saída”, escrita por Tom Veloso, surgiu durante um ensaio de show e evoca uma sensação de movimento, como se fosse feita para ser ouvida na estrada. Essa ideia influenciou toda a estética visual do projeto. “Caco”, lançada como primeiro single do disco e composta por Dora e Zé Ibarra, abraça o humor, a ironia, a frustração e o otimismo do amor. “VW Blue” é uma faixa instrumental que acabou se tornando um jazz improvisado e bem-humorado, com participação de Arthur Dutra no vibrafone. “Petricor”, criada por Tom Veloso e Dora, é uma das canções mais emocionantes, de acordo com a artista. “Ela tem uma harmonia e melodia cíclicas que se repetem. A música acaba virando um mantra, uma coisa pra ficar horas e horas tocando”, explica.
A canção que dá nome ao álbum, “Pique”, é mais um fruto da parceria entre Dora e Tom. Com música e arranjo de Dora e letra de Tom, ela expressa os sentimentos da artista durante o processo criativo. “Talvez (As Canções)”, também feita em parceria com o músico, incorpora um loop orgânico criado com as demos iniciais de Dora. Piqueé finalizado com “Nem Te Procurar”, outra versão da mesma canção que inicia a obra, dessa vez mais dançante, explorando a partida e a transição: “Resolvi abrir e fechar o álbum com elas, amarrar o todo do projeto, as ideias de discurso e as sonoridades que se complementam”, finaliza.