Eu tive um sonho ruim e acordei chorando, por isso eu escrevi. Estava cansado, cheguei em casa no fim da tarde e resolvi dar uma cochilada. Mas não foi um sono tranquilo, trazia aquela angústia de ter um compromisso e saber que preciso levantar logo. Lembrei! Tinha combinado com uma amiga de ir a um show. Ela iria cobrir, enquanto eu poderia apenas assistir.
Levantei e então foi o primeiro momento de mágica no absurdo. Fui escolher a roupa e o Chorão apareceu discursando. “Não deixa o rock morrer nessa p**. E rock é o seguinte: é de camiseta preta”. Respondi que acho este papo de uniforme de roqueiro ultrapassado. Ele saiu brabo em seu skate. Ironicamente, como tenho um problema de altura em relação ao meu peso, meu armário só tem camisas pretas. Mas não se provoca Santos e eu seria punido com um terror nonsense pelo resto do sonho.
Olhei para o meu pulso, tinha uma pulseira de papel. Área VIP. Ok, nem só de ossos é feito o ofício. Lá estava eu, na frente do palco, em uma das casas de show mais tradicionais de Porto Alegre. Tudo parecia muito real. No palco, um artista com 50 anos de carreira tocava e cantava com o ímpeto de quem acredita no que está fazendo.
Mas um olhar mais atento ao ambiente deixava claro que o que eu via só poderia ser um devaneio. Ou melhor, um pesadelo. Naquela espaço, em que participei de tantas rodas punks, eu precisava cuidar para curtir o show sem tropeçar no baldinho de espumante do casal roqueiro que estava na minha frente.
Entre uma música e outra, o artista lembrava nomes que marcaram a história da cultura brasileira, mas que para ele foram amigos. Atrás de mim, um personagem que não tem como ser real. Uma senhora vestida como se estivesse indo para um réveillon em Balneário Camboriú gritava “para de dedicar para gente morta, pensa nos vivos”.
Ao lado da groupie do ano novo, sua amiga. Vestida para a ocasião, usava uma jaqueta dourada e uma camiseta dos Rolling Stones. A tradicional língua para fora era estampada de oncinha. Ela também não parecia feliz. A cada nova canção, ela implorava: “toca as conhecidas, Lobão”.
Do outro lado, um senhor parecia estar em transe, tocando uma air guitar como se estivesse em um show do Hendrix, mesmo quando a guitarra do palco estava calada. Chegava a ser comovente a maneira que ele parecia querer emular um apreciador daquela música que ele dava a entender que não conhecia. Nos momentos de silêncio, ele se divertia gritando Big Wolf.
Enquanto escrevo, o sentimento não é legal. Que sujeito chato sou eu que não acha nada engraçado. Oncinha, laquê, espumante, Big Wolf, eu acho tudo isso um saco. Olhava em volta e tinha certeza de que havia perseguido um Coelho Branco e parado em um local assustador.
O show chegava ao seu final. Os pedidos de “mais conhecidas” começavam a ser atendidos. Mas a situação ficou mais estranha. Talvez eu realmente tenha chegado ali perseguindo um coelho branco ou foram as palavras do músico que ecoaram como mágica:
Sua vida não tem muito sentido
Sempre em dia com o seu atraso
Olhei em volta, só havia eu naquele setor. Todas as outras pessoas haviam sido transformadas em tripés, monopés, ring lights ou outros suportes para celulares, pelos quais transmitiam o o show ao vivo em seus perfis nas redes sociais. Eram inúmeros objetos, todos segurando telefones e dançando de uma maneira assombrosa. No pico do terror, desisti. Precisava acordar. Belisquei meu braço. Ele está roxo enquanto escrevo.