Um estudo inédito, sediado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), mapeou a saúde do coração dos atletas de futebol do país, inclusive detectando diferenças a partir da raça. A tese intitulada Avaliação do Eletrocardiograma do Jogador de Futebol Brasileiro: Um Estudo Observacional Multicêntrico teve artigo publicado no British Journal of Sports Medicine, a revista mais prestigiada de medicina do esporte do mundo. Um estudo semelhante está sendo iniciado com as mulheres do futebol brasileiro profissional.
Para o estudo, foram analisados exames de 6.125 jogadores, com idade entre 15 e 35 anos, de 82 clubes profissionais de futebol das cinco regiões do Brasil (18 estados e 56 cidades), submetidos a triagem cardiovascular de 2002 a 2023. Participaram todos os clubes da série A do campeonato brasileiro de 2023 e praticamente todos das séries B, C e D.
Os resultados mostraram que 180 atletas, ou 3% da amostra, apresentaram eletrocardiogramas (ECGs) anormais. Destes, setenta e cinco apresentaram inversão da onda T ínfero-lateral. A onda T, no ECG, representa o movimento da fase em que o coração se prepara para uma nova contração. Alterações nessa onda podem sugerir condições cardíacas patológicas subjacentes, que podem levar à morte súbita. Posteriormente, os pesquisadores analisaram os ecocardiogramas transtorácicos (ECOs) dos 180 atletas com ECGs anormais, sendo normal em aproximadamente 98% dos casos.
Entre os 75 jogadores com inversão da onda T ínfero-lateral, 71 apresentaram ECOs normais, apesar da detecção da inversão da onda T. Destes 71, 15 foram submetidos à ressonância magnética cardíaca (RMC), que detectou doenças cardíacas em quatro deles. A partir deste resultado, os pesquisadores sugerem que a RMC é necessária para avaliar adequadamente jogadores de futebol brasileiros com inversão da onda T ínfero-lateral no ECG, mesmo se o ECO estiver dentro da normalidade.
“A RMC é recomendada como padrão-ouro desde 2017 para avaliação de atletas com inversão da onda T lateral ou ínfero-lateral, de acordo com os Critérios Internacionais para interpretação do ECG do atleta, mas não é rotina no Brasil. Apenas os grandes clubes a realizam, mas nem sempre. Como consequência, podemos ter um número subestimado de casos de doenças cardíacas entre os atletas”, afirmam o orientador do estudo, professor de Medicina e médico do Serviço de Fisiatria e Reabilitação do HCPA, Ricardo Stein, e o primeiro autor do estudo, Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Cardiologia e Ciências Cardiovasculares da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Filipe Ferrari.
Finalmente, apenas 4 jogadores de toda a amostra apresentaram anormalidades no ECO, os quais também apresentaram inversão da onda T ínfero-lateral no ECG. Entre eles, um foi diagnosticado com insuficiência aórtica grave (doença de uma das válvulas do coração). Os 3 restantes passaram por novas avaliações com RMC, e dois foram diagnosticados com patologias cardíacas.
Atletas de diferentes etnias – O estudo também fez um recorte por raça. Da amostra analisada, foram 2.496 brancos, 2.004 pardos e 1.625 negros, o que permitiu a constatação de diferenças entre os atletas, dependendo da etnia. Os jogadores negros tiveram maior prevalência de inversão da onda T, comparados aos brancos e pardos. Esta alteração também foi mais frequente em atletas negros de Gana, Reino Unido e França, onde trabalhos semelhantes foram desenvolvidos.
“Devido à crescente importância da etnia como potencial determinante de alterações cardiovasculares em atletas, torna-se crucial investigar e compreender os padrões eletrocardiográficos entre atletas brasileiros de diversas origens étnicas, especialmente os pardos, um grupo que não contemplado nas diretrizes para interpretação do ECG do atleta”, afirma o primeiro autor do estudo, Filipe Ferrari.
Mulheres – O mesmo estudo também está sendo feito com as profissionais do futebol brasileiro. Já foram coletados mais de 600 exames de jogadoras de 17 clubes do Brasil. O estudo é liderado novamente por pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Cardiologia do Exercício (CardioEx) do HCPA.